De acordo com o Ministério da Saúde, mais de um milhão de pessoas convivem com o vírus HIV no Brasil. Acredita-se que pelo menos 300 mil pessoas estão infectadas e não sabem por não terem sido testadas. Em Campos dos Goytacazes, há pouco mais de quatro mil pessoas que convivem com o vírus da Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Os números são da Subsecretaria de Atenção Básica, Vigilância e Promoção da Saúde / Centro de Doenças Infecto-Parasitárias (CDIP). Nos últimos anos, o número de pessoas infectadas vem crescendo em todo o país, sobretudo entre os mais jovens. Há estimativas que novos casos de HIV este ano em Campos superem os registrados em 2021 e 2022. Há indicadores de detecção da doença e de óbitos no município superiores à média nacional.

De acordo com o site Indicadores e Dados Básicos de HIV/AIDS nos Municípios Brasileiros ( indicadores.aids.gov.br), foram notificados em 2022 o número de 15.412 casos no Brasil. A taxa de detecção por 100 mil habitantes é de 16,5. Já em relação a óbitos por Aids no Brasil, os dados mais recentes são de 2021, com 4.247 mortes. A taxa de mortalidade no país para cada 100 mil é de 4,7.

Em Campos dos Goytacazes, segundo o mesmo site, foram notificados entre 1981 e 2022 o número de 2.901 pessoas infectadas. Só em 2022 foram 49 casos.  A taxa de detecção da doença para cada 100 mil pessoas é de 19,0 (superior à taxa nacional). Em 40 anos, Campos teve 1.170 mortes por Aids, segundo a pesquisa.O número de óbitos chegou 42 em 2021, com taxa de mortalidade para cada 100 mil de 8,2 (também superior à média de taxa nacional).  Pesquisadores falam em números relativos, pois outras fontes podem apontar dados distintos e conflitantes relacionados à doença no país.

O médico infectologista e subsecretário de Saúde de Campos, Rodrigo Carneiro, em entrevista ao programa Manhã J3, disse que nas últimas décadas já passaram pelo CDIP, mais de 8.500 pessoas vivendo com HIV no município. “Muitas dessas pessoas já nos deixaram, outras transferiram de cidade. Em segmento regular, atualmente há cerca de quatro mil pessoas. Destas, pouco mais de três mil retiram medicação no órgão regularmente. Nós tínhamos uma média de 200 a 250 novos casos diagnosticados por ano antes da pandemia. Nos anos da pandemia isto caiu para 150 a 180. Com a demanda reprimida há entre 330 e 350 casos estimados. Fechamos 2022 com cerca de 300 novos casos. A gente acredita que isso em 2023 será maior”, comentou.

A Subsecretaria de Atenção Básica, Vigilância e Promoção da Saúde esclarece que devido à pandemia do coronavírus, entre 2020 e parte de 2022, a quantidade de testes de HIV realizados foi pequena, menor que a série histórica e, por esse motivo, fez-se menos diagnósticos. “Foram 41 notificações em 2023; 227 em 2022 e 178 em 2021; 91 em 2020; 184 em 2019; e 272 em 2018. Vale ressaltar que os dados são de munícipes e de não munícipes tratados em Campos, uma vez que o Centro de Doenças Infecto-Parasitárias (CDIP) é referência regional para esse atendimento”, informou em nota. 

Em Campos, o Programa Municipal DST/Aids e Hepatites Virais funciona no CDIP, na Rua Conselheiro Otaviano, nº 241, Centro. A população tem acesso ao serviço de testagem para HIV e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ist’s); à assistência médica e educação em saúde. O serviço inicia-se com abertura de prontuário, através do resultado reagente, seguida de consultas regulares, dispensação de medicamentos, realização de exames regulares em parceria com Hospital Geral de Guarus e Hospital Plantadores de Cana. Também é possível fazer o teste de HIV nas Unidades Básicas de Saúde.

Aumento de casos em Campos e entre jovens

Segundo dados do Ministério da Saúde, a maior incidência de casos de HIV no país envolve jovens de 24 a 39 anos. São 52% do sexo masculino 48% do sexo feminino. Entre 2011 e 2021 mais de 52 mil jovens de 15 a 24 anos com HIV evoluíram para AIDS. Só em 2022, 16 mil novos casos de infecção foram notificados no país. O psicólogo e ativista social Salvador Correa, 38 anos, há mais de dez anos é soropositivo. Desde 2013 se dedica a combater o preconceito e a desinformação sobre HIV/AIDS. Ele analisa a maior frequência de infecção entre jovens:

“A taxa de detecção de casos de AIDS notificados em Campos é maior do que a taxa da região Sudeste e do que a taxa nacional. Assim como a mortalidade por Aids em Campos também tem taxa maior do que a nacional. É preciso fortalecer a política de prevenção nos seu âmbitos biomédicos (com disponibilidade de camisinha e gel, PEP e PrEP); estruturais (com legislação que garanta o transporte para acesso ao tratamento, leis contra a discriminação, ações educativas e aconselhamentos) e sociais (com garantias de proteção social em todos os níveis de atenção, com disponibilidade dos benefícios previstos em lei para cada caso). Muitas vezes escutamos que ‘o jovem perdeu o medo’. Essa frase é um grande equívoco. Na verdade, a prevenção pela via do medo e do pânico nunca funcionou e gerou muito estigma e preconceito. É preciso levar novamente a prevenção para um amplo debate com os jovens, incluindo as escolas. Educação sexual é sinônimo de vida e prevenção, não só prevenção ao HIV, mas também pode prevenir assédio e violência sexual”, afirma.

A assistente social e diretora da Associação Irmãos da Solidariedade, Fátima Castro, é referência há 35 anos em Campos ao apoiar pessoas com HIV/Aids. “A situação atual é preocupante, visto que temos como prevenir, controlar e tratar. O perfil sempre muda. Hoje são jovens, que realmente não vivenciaram o flagelo dos anos 1980, 1990 que Aids deixou. Amanhã este perfil pode mudar. Na verdade, todos que fazem sexo sem preservativos podem estar correndo risco, isso, desde quando a AIDS surgiu (1981). Todos nós estamos no mesmo barco quando temos vida sexual ativa. Nunca existiu grupo de risco e, sim, comportamento de risco”.

O técnico em química Alexandre Batista convive com o vírus da Aids desde os 17 anos. Atualmente, ele tem 47. “Foi muito difícil quando descobri o vírus, foi um choque. Não sabia como lidar com a notícia e a quem recorrer. Conheci a Irmãos da Solidariedade muito debilitado, com 38 quilos. Comecei a me tratar e entender o que era a doença. Além do HIV, eu sou dependente químico e de vez em quando tenho recaídas. Hoje, aceito muito bem a questão de ser soropositivo. E os medicamentos antirretrovirais me ajudam porque eu vivo bem, sou indetectável, e não tem nenhuma doença oportunista”, conta.

Preconceito e campanhas informativas

Faz 35 anos que “A” convive com o vírus da Aids em Campos. Ela prefere não se identificar. “A” diz que ainda enfrenta preconceitos por ser transsexual e soropositiva. “O preconceito sempre vai existir, só que hoje está de forma mais velada. Viver com o HIV se tornou melhor por causa do tratamento eficaz. Minha vida é normal. As pessoas precisam ver a realidade dos fatos, a AIDS existe, é uma doença muito séria. Precisamos falar mais sobre isso, de mais orientação e informação. Há pessoas que acham que nunca vai acontecer com elas, que são imunes a isso. Todos nós precisamos de respeito”, diz.

O subsecretário de Saúde, Rodrigo Carneiro, defende mais campanhas informativas sobre HIV/AIDS:

“Antes, o diagnóstico de HIV vinha acompanhado de um prognóstico de evolução muito ruim. Com a medicação tendo evoluído muito, as pessoas acabam tendo uma vida normal ao tomarem o remédio. Porém, permanece sendo uma doença crônica, sem cura. É necessário uma campanha de conscientização contínua, reunindo Ministério da Saúde, Secretarias de Estados e Municípios, gestores governamentais. Não se devem de investir em educação e prevenção. É preciso discutir educação sexual nas escolas, o que deixou de ocorrer nos últimos quatro anos no país. Além do HIV, há riscos de gestação na adolescência e riscos de outras DSTs”, avalia.

A assistente social Fátima Castro também defende mais campanhas educativas:

“O uso do preservativo, a única forma eficaz de não se contaminar com vírus HIV e com as infecções sexualmente transmissíveis, na realidade sempre foi complicado. As pessoas até começam a usar no início de uma relação, mas, depois, acham que não precisam e abandonam a prática do preservativo. Acham que já conhecem o parceiro (a) e tudo bem. Depois dos antirretrovirais, à população deixou ainda mais o uso do preservativo. No imaginário coletivo elas pensam: ‘se tem como cuidar, porque me prevenir?´. Não há campanhas educativas que possam conscientizar a população. E o poder público, por sua vez, nada faz em relação a isso. Ninguém mais fala de Aids, como se não existisse”, observa Fátima.

Entre as campanhas desenvolvidas pelo CDIP estão o Julho Amarelo, que faz alusão ao mês de luta contra as hepatites virais; e o Dezembro Vermelho, que marca a mobilização nacional na luta contra o vírus HIV/Aids e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis. 

Expectativa de cura

Fátima Castro e milhões de pessoas esperam pela cura da Aids. “A cada notícias que surge, me encho de esperança há décadas. Entristeço-me quando não podemos levar adiante. Teríamos que erradicar a doença. O fato de termos os medicamentos fazendo da síndrome uma doença crônica, já é uma vitória”, avalia. Já Salvador Corrêa aposta nos novos relatórios da ONU com perspectiva de cura. “As pesquisas apontam cada vez mais para novos caminhos de investigação. No texto ‘O dia da cura’, de Herbert de Souza, ele diz ‘a ideia da morte inevitável paralisa; a ideia da vida mobiliza… me dei conta de que a cura da Aids sempre havia existido: o seu nome é vida’, conclui.

 

Fonte: Terceira Via

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